Caras

Ao ritmo das luzes, do som e movimento, descem dos céus os anjos da noite, os anjos da beleza, do sorriso e da alegria; vestidos de negro, vermelho e branco. No brilho das luzes são reflectidos, não o seu ser de anjo, mas o seu ser da noite, como eu e tu, com caras.....

caras diferentes, caras desiguais...
Caras de sonho, de sono, de ilusão, de alegria ou indiferença,

caras dormidas, sofridas, sonhadas e despassaradas,

caras tapadas e desavergonhadas,

caras de solidão, sofrimento, doçura , paixão e desilusão,
caras despidas e mal vestidas,
caras bebidas e até divertidas,
caras inconstantes de expressões encantadas,
caras de abandono e desamor,
caras com tops, saias e cintos,
caras a subir, caras a descer...caras a dançar e a beber!
caras ao som do roça, roça ...roça aqui não é ai!!!

Caras da noite, sonhadas pelo sol e reflectidas pela lua....
Paro, de repente envolvo-me em mim mesma, no meu pensamento e sentimento, embrulho-me nas luzes, embrulho-me no espaço, apago a música, absorvo-me nos movimentos e reflicto. Vejo como perde toda a sua beleza, deixa de haver vida, apesar de ainda sair um sorriso, uma gargalhada, a beleza, a completude do par música - movimento já não existe, foi quebrada, é como se uma das partes já não conseguisse prosseguir sem a outra, metade morreu, e a outra metade perdeu!!!.....

Lembrei-me de parar o tempo, mesmo esse que não tem o dom de se parar a si mesmo, nem é permitido a ninguém ajuda-lo nesta tarefa; mas é facilmente parado por nós, dentro de nós mesmos. Pará-lo e parar quem com ele vive e se movimenta, e deixar o movimento ecoar sozinho, sem sorrisos a sorrirem-lhe, sem caras de vida. Cada cara deu o seu último suspiro e ficou...assim...!!!

Um simples toque no “meu play” dá ordem para que a música prossiga, ao som das letras e das vozes que a projectam. Os anjos estão tristes, algo não faz sentido para eles, mas faz para mim!!!! Uma parte ressuscitou, foi agora a vez da outra morrer dando assim sentido ao que quero sentir, ao meu jogo de sensações, pensamentos e cambalhotas de ideias e significados, que só no meu contexto sentimental tem a sua lógica e o seu sentido!

Os anjos enfurecem-se!.....Eu.....fiz estalar o meu pensamento, desembrulhei-me daquele aconchego que encontrei dentro de mim e que foi confortado pelo exterior e ordenei-lhe que tudo voltasse ao seu normal,...na minha mente, no meu ser, no meu coração!!! A música toca, alguém canta, quase sem ser ouvido e as caras mexem-se, movimentam-se, cada qual ao seu ritmo. Continuo abstraída, e tão sintonizada! Continuo a ver as caras, umas com ritmos acelerados, descompassados, outras com desanimo porque não conseguem abstrair-se do que lá fora ficou!!!!...

A maior parte, mexe-se para sentir a música e tentar segui-la com o corpo. Algumas, nem a ouvem, só conseguem ouvir a música que se dá entre o copo e o seu conteúdo. O copo alegremente em constante euforia, até agradece que se lembrem dele, ele sente o fresquinho dentro dele, a tocar-lhe e a roça-lo! Isto, é para muitas caras, no Karas, a sua única delicia de prazer, com som ou sem som pouco interessa, interessa que é a sua forma de estar no meio do e das karas.

A noite continua, há quem chore sem sentir, há quem cuja dança forme no chão um desenho de pés calcados como na areia da praia. É vida, é noite, é animação! Eu paro e percepciono, sinto tanta alegria, mas tanta tristeza! Sorrisos belíssimos, escondendo lágrimas de dor! E a música e a noite continuam num espaço, para muitos, aconchegante, bonito e encantador....espaço que na noite da escuridão permite-me, a mim, a ti e a nós, sermos o que pensamos ser naquela noite, e se surpresas acontecerem nessa noite, o karas e as caras irão viver o momento, aquele momento que deve saber ser vivido...como o retorno de novas caras…

Eu..... amo o movimento, o som, o ritmo e a expressão... sentir na pele a emoção das vibrações, alegres e histéricas, por vezes descompassadas mas tão engraçadas!!!!

Nos entretantos da minha pausa sento-mo lá fora e percepciono mais caras, mas agora, são caras que vi nascer. Caras que cuidei, caras outrora de bebé! Hoje, caras crescidas, amadurecidas e ate vividas, de luta e sacrifício... com o copo na mão e sonhos no coração! E vêem mais caras.....hoje até vestidas mas outrora em pelão e hoje, com o copo também na mão!

No meio da algazarra, da diversão, é bom parar, fechar-me sobre mim e tentar sentir o que cada um tenta viver ali no karas, pois é ali que reina a alegria, a solidão, o sonho e a possessão! Vejo-as, vejo almas perdidas, por mim encontradas e tatuadas para sempre...afinal ....ali...no Karas!

Telma

Karas - Beja
2006

 

 

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